cenário ideal de um voo longo na classe econômica
O voo sai no fim da tarde, e eu tenho um assento no corredor.
As pessoas do meu lado são duas pessoas independentes viajando sozinhas, e não têm companhia no banco de trás com a qual elas tentariam conversar pelo buraco entre o assento dela e o meu. Essas pessoas têm grandes planos de dormir o voo inteiro ou assistir vários filmes e cuidar das próprias vidas. Elas nem pensariam em assistir coisas no telefone sem fone de ouvido. A pessoa sentada na minha frente vai reclinar o assento até a metade do que o assento permite, no máximo, e eu vou poder continuar disfrutando de espaço suficiente para mover minhas pernas. A pessoa sentada atrás de mim sabe usar uma tela touchscreen sem socá-la com os dedos, e consegue se levantar apoiando-se no próprio assento e não no meu. Ela também tem espaço suficiente pra mover suas pernas sem informar as minhas costas.
A decolagem é tranquila e o avião sobe de maneira estável sem turbulências. Eu já estou entretida vendo uma série ou lendo um livro. Meus fones de ouvido fazem um excelente trabalho de reduzir o ruído das turbinas. Eu não estou resfriada e meu ouvido acomoda a mudança de pressão sem dor.
Após 1h30, começam a servir a janta. Eu assisto os comissários servindo as filas anteriores e penso no que eu vou querer, mas realmente só existe dúvida se houver 3 opções e não 2; a resposta é sempre qualquer opção que não for massa. No voo ideal: carne picada com batata rústica; frango com purê de batata; almôndegas com massa de batata e queijo; frango teriyaki com arroz japonês. A salada é algo misterioso que eu nunca comi mas amo, e me faz me sentir super mente aberta e cosmopolita por experimentar apesar de não saber identificar 90% dos ingredientes. O pão é saboroso e macio e eu não preciso rasgá-lo à força e empregar todo o poder da minha mandíbula para mastigá-lo. Pra beber, eu peço um copo de vinho tinto e um de coca-cola. A coca-cola não vai me causar gases pelo resto do voo inteiro; meu corpo vai lidar com ela de maneira proporcional e razoável. O vinho tinto vai me dar exatamente tanto sono quanto ele dá quando eu estou num bar e são 22h e não é esse o efeito que eu busco, porque agora sim é isso que eu busco.
O avião não começa a passar por uma zona de turbulência exatamente quando eu estou com dois copos cheios sob minha responsabilidade. Nem depois.
A sobremesa é algum doce que não seja um bolo daqueles secos. Um tiramisu, se não for pedir demais.
Eu continuo entretida ao longo da janta. O sistema de entretenimento é moderno e possui uma boa seleção de filmes que inclui 1 ou 2 que eu de fato gostaria de ver, não muitos. O filme que eu estou assistindo não possui cenas de sexo explícitas, e portanto não me urge fingir naturalidade para assegurar os outros passageiros de que eu sou uma adulta madura e uma cena de sexo não me abala.
A falta de umidade no ar quase não me afeta. Eu não sinto uma sede violenta a cada 10 minutos entre golões de água. Meu spray de água termal é o suficiente para manter minha pele hidratada; meu nariz e meus olhos não começam a arder depois de algumas horas.
Após terminar a janta, eu peço um copo de água quente e coloco uma infusão de ervas para dormir. Eu tomo minha infusão e levanto pra fazer xixi, quem sabe até escovar os dentes.
As luzes se apagam novamente. Eu paro de ver o filme e acendo a luzinha do meu assento para ler um pouco meu livro e diminuir a carga de dopamina antes de dormir.
O livro rapidamente me dá sono. Eu me cubro com a mantinha, coloco minha máscara de dormir sobre os olhos, e apago. Apago totalmente mesmo. Eu não fico rolando por horas tentando dormir. Eu não durmo um pouquinho e acordo em meia hora. Eu apago. Cada vez que eu ameaço acordar, meu sono e cansaço extremos e minha força de vontade são o suficiente para garantir que eu volte a dormir quase de imediato. Minha garganta não parece que eu engoli areia no Saara cada vez que eu acordo; eu bebo bastante água e isso não me causa vontade de fazer xixi o tempo todo. Minha bunda não começa a doer por conta de dormir sentada por horas a fio.
Eu acordo de vez quando já faltam só umas 3h pro pouso. Fico bem surpresa e feliz quando reparo nisso, tendo passado pelo pior com o mínimo de inconveniência. Acordo descansada e satisfeita e não sentindo dor no corpo inteiro. Meu pescoço não está doendo horrores. Minhas pernas não estão exaustas e implorando por qualquer outra posição.