diário de viagem (verão 2022)


Trechos parcialmente censurados e bem levemente editados do meu diário de viagem, de Julho a Agosto de 2022.


quinta, 30 de junho, 23h
hostel em Nice
França

Meu primeiro dia foi caótico, mas Nice, no limite do possível, me trouxe muita paz.

Teve coração apertado e choradinha na hora de fechar o quarto e sair, teve cara colada no vidro da varanda olhando a rua que por tantos meses foi a minha rua, e teve muita chuva e céu cinza pra me despedir de Donostia, que, pra fama que tem de chuvosa, se mostrou muito boa também em fazer sol. Uma última foto do rio, na ponte que eu mais gosto, a dos ornamentos enormes de cavalos, minha primeira impressão da cidade e minha última vista antes de descer pra estação de ônibus.

Teve ônibus atrasado, e muita fila no aeroporto, e muito alívio de não ter que pagar por sobrepeso na mala, e mais fila, e a tentativa de maximizar minha eficiência no controle de segurança (falhei; esqueci o notebook dentro da mochila). Pequeno interlúdio no caos: tirei uma ótima soneca no voo. Durou pouco; acordei com a cabeça explodindo de dor. Mas entrou um solzão pela janela quando o avião virou pro lado e eu vi o azul do mar de Nice, e me senti validada na minha escolha de primeiro destino.

Se já tinha ouvido falar de Nice uma vez na vida foi muito. Vir pra cá veio como complemento a Marselha, que eu também não conhecia nada, mas queria ir por influência da minha francesa favorita.

Nice é menos chique do que eu esperava, e portanto um pouco mais interessante. Pelo que ouvi, perde em luxo pras vizinhas Monaco e Cannes, mas também não tá em falta de turista andando por aí com sacolas (plural) de grifes. Dá pra ver que existe alguma vida na cidade além do turismo, que a feira é pros moradores e não pros turistas. Andando alguns quilômetros em busca de um mercado barato hoje eu passei por comércios e restaurantes chineses, árabes, vietnamitas, russos, africanos, gregos.


sexta, 01 de julho, 23:48
hostel em Nice
França

Ainda não parei de pensar na palavra “nice” quando escrevo “Nice” e de pensar em Nice quando alguém usa a palavra “nice”. Inclusive, entrei no Meetup e me deparei com uma incrível tradução automática do nome da cidade: “agradável, França”. Não posso discordar.

Bati a cabeça de novo umas 3x na cama de cima da beliche e as áreas atingidas do meu crânio ainda estão doendo, mas fora isso, foi de fato um dia quase inacreditavelmente agradável.

De manhã fiquei na dúvida sobre ir à praia porque ainda tô menstruada e debati ir ao museu Matisse, mas quando vi que a entrada custava 10€, me pareceu um crime passar uma manhã de sol num museu e ainda pagar tão caro. Peço desculpas a Matisse mas desisti e entrei num trem lotado pra Villefranche-sur-Mer.

Cidadezinha perfeita pra uma manhã tranquila. A praia é minúscula mas oferece um luxo que Nice não tem: areia. (Voltarei nesse tópico.) Me enfiei entre as toalhas de dois idosos sob a sombra de uma árvore enorme e deitei na minha mochila pra ler um livro, coisa que eu não faço há mais de um mês. É um livro excelente sobre uma mulher que viaja no tempo na noite do seu aniversário de 40 anos e volta a ter 16, e eu absolutamente amo como ela fica irritada que se odiava tanto quando era adolescente e agora do alto dos 40 ela vê o quanto era linda e perfeitinha como um bebê e sente tanta falta de tudo. Eu tenho tanta ciência de que eu vou envelhecer em breve e eu quero tanto aproveitar o máximo que eu posso agora, e ao mesmo tempo, quero cuidar do meu corpo e mantê-lo ativo pra poder aproveitar o máximo possível daqui a umas décadas também, porque 30 é o novo 20 e 70 é o novo 60 e eu quero continuar viajando até não poder mais.

Li meu livro, e andei um pouquinho na beira da água, e andei até o porto, e resolvi voltar a Nice porque decidi que eu precisava entrar na água na praia de pedras, porque eu achei essa praia tão única. As pessoas acham que as pedras são desconfortáveis pra sentar e deitar, mas esse é o menor dos problemas. A real treta é que o mar forma um “banco” de pedras na beira que é super inclinado e dói o pé então todo o processo de entrar na água e sair da água foi nada menos que humilhante.

Pra terminar de escrever amanhã: rolê do Meetup, gente racista chata, independência de viajar sozinha etc.


terça, 05 de julho, 17:17
hostel em Marselha
França

Marselha é incrível e depois de 3 dias conhecendo a cidade eu tô tirando minha primeira pausa pra descansar, porque minhas pernas não aguentam mais.

Esses dias aqui foram impecáveis. Saindo da estação de metrô no primeiro dia me deparei com a dispersão da parada gay e fiquei triste de não ter chegado a tempo, mas foi bom ver o pessoal de qualquer jeito. Saí sozinha pra dar uma volta e fiquei até 22:30 vendo o pôr do sol atrás da catedral.

No segundo dia, andei quase a costa inteira de Marselha apreciando os detalhezinhos do litoral daqui. As praias em si são pequenas, mas tem gente em todo e qualquer canto onde se possa deitar e pegar sol, entre as pedras ou nas estruturas de concreto decrépitas do que deviam ser bases militares ou sei lá, ou até embaixo da ponte. Enfim escolhi uma praia pra ficar e deitei, relaxei, me queimei muito, nadei, e ouvi gente escutando músicas que eu reconheci de casa, que a francesa escutava o tempo todo.

01:31 (mesma noite)

Não tinha mais planos pra hoje depois de voltar da rua morrendo de calor, mas o pessoal do hostel foi se reunindo na cozinha, um britânico muito simpático fez espaguete com salsicha pra gente, e resolvemos ir pra praia ver o pôr do sol e nadar um pouco (eles; eu não aguento a água gelada).

E quando voltamos ficamos de novo pela cozinha, e o grupo foi aumentando cada vez mais, e cada pessoa foi trazendo mais uma garrafa de vinho, e papo vai papo vem um menino americano que toca banjo descobriu que outros dois caras ali tocavam trompete e guitarra, e eles se juntaram numa banda improvisada e começaram o show.

Às vezes nas minhas viagens acontecem esses momentos que são difíceis de acreditar que não saíram de um filme, e às vezes são noites inteiras — um jantarzinho caseiro e um pôr do sol incrível com uma galera que eu literalmente conheci ontem, uma mesa enorme na cozinha caótica de um hostel capenga, umas muitas garrafas de vinho barato. Os músicos escolhendo uma próxima música que todos conheçam, um grupinho bolando becks, outro grupinho desafinado cantando Shallow, outro falando de passeios turísticos na cidade, e outro falando de como a Lady Gaga e o Bradley Cooper com certeza se pegaram antes/durante/depois das filmagens de A Star Is Born (eu tava nesse).

Também me diverti observando as reações de outros hóspedes se deparando com o rolê enorme na cozinha; alguns seguiram direto pros seus quartos, provavelmente mais tímidos ou só em outra vibe, mas alguns chegaram mais perto e se juntaram aos poucos, puxando mais uma cadeira pra perto da mesa.


quarta, 06 de julho, 22:22
hostel em Marselha
França

Daqui a meia hora eu vou embora do hostel e tenho 10h parceladas de ônibus até Lausanne, e aí eu passo o dia por lá com a francesa, e depois vou pra casa da anfitriã que aceitou me hospedar pelo CouchSurfing. E essa história de CouchSurfing acabou dominando meus pensamentos sobre esses dias em Lausanne, eu nem lembro mais o que tem pra fazer lá (nadar no lago?); eu só quero ver se essa Júlia que eu sou agora já é mente aberta e espontânea o suficiente pra fazer isso, ou se vai só ser uma experiência horrível.

O hostel aqui em Marselha foi medíocre e eu dormi mal e/ou pouco todos os dias então eu não tô super animada pra dormir no ônibus e num sofá pelas próximas 3 noites mas também não tô muito preocupada. No final das contas a estadia aqui foi incrível assim mesmo.

Esse hostel foi talvez a experiência mais sociável que eu já tive nesse tempo todo; eu fico grata por ter tido companhia pra fazer tantas coisas, e por todas as dicas ótimas que recebi do pessoal aqui. Eu não me importo de ir sozinha pra praia ou passear pela cidade, mas dificilmente teria ido fazer trilha pelos Calanques sozinha, ainda mais depois das histórias que escutei aqui em Marselha. Acho que esse foi o único defeito daqui, a insegurança que eu senti; não deu pra aproveitar tudo que eu queria, por exemplo, no mercado em Noailles ontem, porque tinha tanto homem esquisito me perturbando que eu só fui embora.


sexta, 08 de julho, 12:15
casa em Lausanne
Suíça

Ontem tive mais um dia conturbado vindo pra Lausanne, e tô começando a aceitar que todos os dias de viagem de uma cidade pra outra vão ser um pouco assim.

Pelo lado positivo, a viagem de 10h não foi tão ruim quanto eu esperava. Eu cheguei no ônibus exausta, botei minha máscara e dormi. A parada em Lyon 5h da manhã foi péssima e eu tava tonta de sono e o tempo demorou muito pra passar. Por um momento me veio à mente que eu só queria chegar em casa e dormir na minha cama, como se estivesse voltando pra Donostia de alguma viagem curta, e aí bateu uma angústia de perceber que isso não ia acontecer. Quando o sol nasceu e a estação ficou mais movimentada eu fiquei mais tranquila; depois dormi mais no trecho até Lausanne, mesmo com o solzão na janela, graças à minha máscara de dormir (talvez a melhor compra que eu fiz pra essa viagem).

Chegando em Lausanne eu logo notei que a cidade é bem maior que eu tinha imaginado, e todas as ruas muito mais inclinadas. Fomos pro lago que também acabou sendo super longe mas foi uma tarde incrível; eu tava doida pra nadar nos lagos aqui, e depois ficamos cochilando no sol e foi uma delícia.

Mas minha paz não durou muito, e voltando do lago, levei um tombo ridículo na estação de metrô e torci o tornozelo. Tava distraída olhando o celular pra ver o caminho e caí do penúltimo degrau. Andei com tanto cuidado nas trilhas e até evitei patinar na última semana antes de vir pra não acabar me machucando, só pra no final cair no meio da viagem numa escadinha de metrô.

Senti a torção na hora e bateu um pânico pior que a dor em si. Todo mundo da estação correu pra ver se eu tava bem e eu não queria nem levantar, comecei a passar mal dum jeito que não dava pra respirar direito. Só de pensar em arruinar a viagem que eu planejei com tanto cuidado, e na grana que eu perderia por não poder cancelar todos os hostels e os trens, e no incômodo de não poder andar direito e talvez ter que colocar bota, tão pouco tempo depois que eu tirei aquele gesso irritante do braço… Ainda tô estressada e acho que só consegui dormir porque tava tão exausta. Não sei se eu devia ir na emergência pra radiografar, mas não sei bem como funcionam emergências ortopédicas aqui e não quero perder meu tempo em Lausanne.

Ontem não deu pra botar gelo direito e a gente acabou saindo pra festa da cidade mas foi uma péssima ideia; meu tornozelo doeu muito e eu fiquei triste de não poder aproveitar direito o festival, que tava cheio de gente que parecia interessante, festas pra todos os lados e bares com música legal. Depois que andamos muito eu tava com tanta dor que só queria chorar, mas não tinha nem mais o que fazer.

Hoje eu tô um pouco aliviada que o inchaço e a dor diminuiram de ontem pra hoje, e é triste não poder passear por Lausanne tanto quanto eu queria, mas tô mais preocupada em melhorar pra ir pra Interlaken amanhã.


sábado, 09 de julho, 15:31
trem de Lausanne a Interlaken
Suíça

Como pode uma pessoa ser tão desorientada, mesmo se concentrando e fazendo um esforço? No momento tô frustrada que sentei no lado errado do trem, então não consegui ver direito o lago Léman quando saímos de Lausanne e não vou conseguir ver o lago Thun chegando em Interlaken.

15:37

Mudei de lugar quando uma pessoa saiu, e tô torcendo pro trem sair na direção que eu tô esperando e eu poder ver o lago direitinho agora. Tô ouvindo Fantasma da Ópera sem parar e assoviando tudo e não consigo parar quieta, de tão animada que eu tô por estar chegando em Interlaken.

(Passamos por uns muros pichados e me ocorreu que agora eu já tô na Suíça alemã e acabou a moleza de falar francês com os suíços super simpáticos, e eu não sei nada de alemão, então vai ser só “do you speak English?” daqui até Portugal em Agosto.)

15:47

Consegui ver o lago. É enorme, e as montanhas também; tudo é maior do que eu esperava. Eu sabia que as montanhas eram enormes mas não tinha noção. As vilas ao redor têm umas casinhas pequenas e lindas, e o lago é imenso e cheio de atividade, um monte de barquinhos diferentes, a água um azul perfeito, tudo completamente cercado pelas montanhas. É uma sensação muito esquisita estar dentro delas e não conseguir ver nada do que há ao redor além das montanhas. Eu tô mais acostumada com lugares sempre abertos pro oceano de um lado ou de outro, mas a paz de um lago no meio dos Alpes é incomparável.

O lago é tão enorme e a região é tão remota que mesmo em alta temporada e sendo relativamente popular entre viajantes, parece que nada atrapalha a paz na beira da água, todo mundo que entra pra fazer qualquer coisa tem tanto espaço que chega a ser atordoante.

Acabei de passar por um cemitério lindo em frente a uma igreja, uns 20–40 túmulos simples, mas todos com um monte de buquês de flores ao redor. É impossível não ficar com a cara grudada no vidro da janela igual uma besta.

A arquitetura é completamente diferente de Lausanne, até sendo uma ignorante que nunca pisou na Alemanha eu reconheço o toque alemão das casinhas e igrejas aqui.

A cor do rio que atravessa Interlaken e conecta os lagos Thun e Brienz realmente é surreal, igual nas fotos, e parece coisa de filme, não dá pra acreditar. Tô me tranquilizando que eu nem preciso fazer muita coisa, só estar aqui já é como realizar um sonho por conta própria. Talvez um dos lugares mais lindos que já vi e eu ainda nem saí do trem.

23:12 (mesmo dia)
hostel em Interlaken

A única coisa que eu não tô tão feliz em Interlaken é que tenho a distinta impressão de que a socialização vai ser um pouco difícil aqui, por vários fatores.

De cara quando cheguei vi que tem muitos americanos ou pelo menos um pessoal que fala inglês muito bem, mas eles parecem bem mais novos que eu, e parecem ser grupinhos que ou estão viajando juntos ou já se juntaram aqui nos últimos dias.

Eu tô num dormitório feminino dessa vez, o que deveria ajudar, mas as três outras meninas não falam nada além de responder o que eu pergunto. Duas delas vieram juntas, mas as três são coreanas e falam coreano entre si, e inglês só comigo. Nesse momento elas estão aqui cada uma na sua cama em silêncio.

No geral ninguém fez o menor esforço pra socializar, e eu ainda tô tentando entender se isso é uma coisa ruim. É esquisito mas não me incomoda tanto assim; talvez seja bom ter essa liberdade toda de seguir sozinha agora. Ainda mais sendo Interlaken e com o agravante do meu pé torcido, eu prefiro decidir sozinha o que eu quero fazer.


domingo, 10 de julho, 22:12
hostel em Interlaken
Suíça

Meu tornozelo tá bem melhor, então eu abusei um pouco hoje e dei a volta no lago Brienz, a oeste de Interlaken. Não foi proposital vir aqui pra visitar os lugares de filmagem de Crash Landing on You mas acabou sendo mais fácil do que eu esperava, com as cenas sendo em lugares tão turísticos que a mulher do hostel me recomendou o mesmo itinerário sem saber disso.

A paz que eu sinto tanto em Interlaken quanto ao redor do lago é indescritível. Mesmo tudo cheio de turistas, o centro da cidade lotado, o ônibus cheio e todos os pontos panorâmicos com fila pra tirar foto, ainda é notável o silêncio e a tranquilidade em comparação com outra cidade qualquer. Não importa pra que lado eu olhe só restam poucos quilômetros de cidade ou de lago até bater na base das montanhas, e parece até errado quando tem algum prédio muito mais alto que a média, porque é tão bonita a imensidão das montanhas por trás de todas as construções da cidade, como o Victoria Jungfrau de um lado, e o parque aqui em Interlaken onde se vê o Jungfrau atrás.

Assim que eu cheguei aqui eu pensei que eu gostaria de trabalhar nesse hostel, alguns dias na semana ajudando e dando dicas turísticas pros hóspedes em troca de acomodação e alimentação. Eu tô com isso na cabeça desde que falei com aquelas meninas em Donostia que tavam fazendo esse tipo de trabalho num hostel lá, e a de Santander também. Não sei o que me deu na cabeça, é só porque eu tô nessa vibe insuportável de só falar de viagem e conversar com viajantes e planejar viagem.

Mas na real eu acho que cansaria de viver em Interlaken em 1 semana. A cidade é pequena e cara e não tem nada pra fazer; quase só tem turista. Talvez por uma experiência de 1–2 meses no máximo, mas nem essa ideia de trabalhar em hostel tem muito sentido.


terça, 12 de julho, 00:22
hostel em Interlaken
Suíça

Hoje eu me senti muito pressionada por mim mesma a fazer algum plano incrível, por ser meu último dia em Interlaken.

Ontem à noite eu tinha decidido rodar o lago Thun como fiz com o lago Brienz, mas comecei a questionar se valeria a pena, e me confundi toda pedindo conselhos de uma menina coreana no meu quarto e de uma mulher na recepção que não me ajudou muito. Ela quase me convenceu a passar o dia todo em uma região que até parece bonita, mas não tem nada a oferecer que me interesse muito.

Por sorte mantive meu plano original e rodei o lago Thun inteiro de ônibus. Esse é bem menos movimentado que o Brienz, provavelmente porque o entorno é bem mais montanhoso, e como eu comecei mais cedo que ontem, as primeiras cidades que eu parei estavam ainda mais calmas que o normal. O que mais me impressionou foi a vista das montanhas, especialmente do monte Niesen, a montanha triangular que protagoniza todas as fotos da vista desde o lado norte do lago.


quarta, 13 de julho, 13:36
trem de Lucerna pra Lungern
Suíça

Nem atualizei esses dias porque passei literalmente todo meu tempo livre revendo Crash Landing on You. A ideia era só rever algumas cenas, em especial as cenas filmadas por aqui, mas eu acabei me empolgando e esse drama tem episódios de 1h30 então o rolê todo durou até a manhã de hoje.

A real é que no segundo dia em Interlaken eu já comecei a ficar um pouco cansadinha e mais desanimada, e ontem chegando em Lucerna piorou um pouco. Em questão de poucas horas eu já tava sem nada mais pra fazer na cidade, com todas as pouquíssimas atrações turísticas custando muito caro e viagens pras montanhas mais ainda. Em comparação, as possibilidades de coisa pra fazer em Interlaken saíam muito mais em conta e também pareciam mais interessantes, então eu tô um pouco arrependida de ter vindo pra cá ao invés de ficar lá por mais 2 dias. Pelo menos a cidade antiga medieval de Lucerna é realmente linda, e o rio e o lago também, mas eu já rodei tudo 2x e fiquei sem saber o que fazer hoje. Pensei fazer um passeio de barco e depois ficar numa praia, mas honestamente nem parecia tão legal assim, então eu mudei de ideia. Resolvi pegar o trem pra Lungern, uma cidadezinha que eu vi ontem no trem vindo de Interlaken e fiquei hipnotizada com a vista, gravei um vídeo que mal dá pra acreditar que a cor daquele lago é real. Então tô indo pra lá andar ao redor do lago e procurar um lugar pra pegar sol e nadar. Espero que isso salve um pouco o meu ânimo aqui, e amanhã ainda tenho a manhã inteira em Lucerna antes de pegar o trem pra Zurique. Tô torcendo muito que Zurique seja mais interessante em termos de quantidade de coisas pra fazer, mas tô com medo também que vai ser igualmente caro e talvez eu me arrependa de ficar lá por 3 dias, mas enfim. Lições pra próxima vez (10 dias em Interlaken).

Eu continuo me sentindo um pouquinho solitária desde o hostel em Interlaken cheio de famílias e grupos de amigos, e aqui em Lucerna é um pouco melhor, já até fiz uma amiga alemã que chegou junto comigo e comemos almoço juntas, mas ela é muito quietinha e veio pra fazer trilhas então a gente não clicou tanto, e nesse caso eu prefiro passear sozinha mesmo. Mas por enquanto não é nada gritante. Eu tô agora chegando em Lungern e todo mundo no trem tá besta tirando fotos do lago, e eu tô felizinha que dessa vez vou descer aqui.

00:38 (“mesmo dia”)
hostel em Lucerna
Suíça

Minha decisão de ir pra Lungern hoje foi certeira e eu tive uma tarde perfeitinha. Primeiro que foi incrível ver o lago de perto depois de ver a cor absurda dele pelo trem, e pra completar, encontrei uma espécie de parque aquático na beira do lago que custou só 7 francos a entrada e eu me diverti horrores. Fiquei tranquila pegando sol, nadei, pulei do trampolim, comi batata frita e voltei contente demais pra Lucerna. De quebra, conheci uma menina super legal que chegou no hostel hoje, e amanhã vamos passar a manhã juntas aqui e depois ir juntas pra Zurique. Ela é francesa mas a mãe é espanhola e a gente tem muito em comum de personalidade — é incrível quando eu “clico” assim com alguém e a gente só engata na conversa e não para mais. Ficamos até agora há pouco na área comum do hostel falando de solidão e de viajar sozinhas e um monte de outras coisas e ela é super gente boa e engraçada, é uma pena que ela não vai ficar mais tempo em Zurique mas eu já tô mais animada pra amanhã.


quinta, 14 de julho, 22:58
hostel em Zurique
Suíça

Acabou que realmente não tinha mais nada pra fazer em Lucerna então eu e a menina francesa tomamos café da manhã numa pracinha na beira do lago e andamos pelo centro pela milésima vez em busca de uma loja de chocolates que ela achava que lembrava onde era (não lembrava). Lucerna foi um pouco decepcionante de qualquer maneira mas ainda bem que pelo menos eu conheci essa menina e ela pegou o mesmo trem que eu então passamos o dia inteiro juntas.

Chegando em Zurique a gente imediatamente sentiu o bafão de calor dentro da estação e eu achei que seria só lá dentro mas logo vi que tava mesmo fazendo 34°. A ida da estação até o hostel foi terrível como sempre, pior com esse sol e pior ainda com 2 rodas da minha mala quebradas, o que significa que a esse ponto eu tô praticamente arrastando ela pelo asfalto como se fosse uma caixa, mas depois tomamos um banho rápido e saímos.

Eu tive uma ótima primeira impressão de Zurique e achei a cidade um amor, o rio é lindo e as vistas de ambos os lados são impressionantes; a abertura pro lago é perto do centro e ele também é lindo, mais bonito que o de Lucerna apesar de que em Lucerna tem uma vista melhor pras montanhas. Notei que é meu último lago no que está sendo quase uma tour de lagos suíços, e apesar de estar animada pro resto da viagem eu não consigo deixar de sentir que Interlaken foi o auge; eu vou ficar bastante impressionada se algo superar aquele lugar.

Eu ainda tô me sentindo um pouco mais desanimada que no início, mais inclinada a passar mais tempo na minha zona de conforto vendo drama coreano no celular. Mas eu e a menina francesa/espanhola passamos o dia todo conversando sem parar, até andando pelas ruas de Zurique não paramos de falar de um milhão de assuntos, e depois sentamos num barzinho numa ponte aqui em Zurique pra tomar algo e tivemos uma conversa enorme e ótima sobre sexualidade e prazer feminino e ela perguntou um monte de coisa sobre como eu me descobri lésbica. É uma pena que ela não vai ficar mais tempo aqui, mas também tô satisfeita que tive um dia bom com alguém legal e amanhã e sábado vou só fazer o que eu quiser e passear pela cidade.

Talvez eu também esteja um pouco nervosa porque amanhã eu tenho terapia e preciso contar sobre tretas famíliares e sobre meu pé torcido e os hostels e a solidão esses dias e eu nem sei como explicar o que eu tô sentindo, mas vamos ver como vai ser.


domingo, 17 de julho, 23:23
hostel em Viena
Áustria

Hoje foi o dia do tão temido FlixBus de 10h de Zurique a Viena, e eu várias vezes considerei escrever mas não tinha nada a dizer, mas agora que cheguei no hostel me veio uma enxurrada de pensamentos que eu quero registrar.

No geral a viagem não foi tão ruim quanto pareceu que ia ser na primeira hora. O início foi o pior com o resto do longo dia todo ainda pela frente, meu pescoço começando a doer e meu tornozelo também, e nada de sono. Eu queria muito ser o tipo de pessoa que consegue dormir em qualquer lugar em qualquer posição mas mesmo colocando a máscara de dormir e tomando cuidado pra tentar encontrar uma postura segura eu não consegui apagar de vez.

Parte da culpa foi de My Liberation Notes, o drama excelente que eu comecei a ver outro dia e devorei uns 4 episódios hoje. Até agora que eu cheguei no hostel e já tá tarde eu ainda tô me coçando pra ver mais um pouquinho antes de dormir. Eu baixei filme e levei meu Kindle e tinha que revisar o TCC de uma amiga também mas no final eu não fiz mais nada além de ver esse drama o caminho inteiro.

Detalhes à parte, que me motivou a escrever hoje foi a sensação de chegar em Viena. É sempre muito esquisito chegar em uma cidade nova assim à noite, especialmente em um país novo. Não importa onde eu esteja, a sensação se aproxima de estar no Rio sozinha à noite com medo de todo mundo que eu vejo pela rua e imaginando todos os piores cenários possíveis. Eu olho o celular rapidinho pra ver onde ir e ando rápido e não descolo da minha mala e fico atenta a tudo, meio em pânico até enfim chegar na segurança do hostel.

E também tem o fenômeno da primeira refeição horrível em uma nova cidade, quando eu chego esfomeada e só preciso comer alguma coisa, e aí eu compro o primeiro lanche barato que eu vejo e é sempre horrível. Em Donostia foi aquele frango frito turco perto do hostel, e aqui foi um kebab de falafel no ponto de ônibus. Eu devia ter prestado mais atenção nos ingredientes mas honestamente a essa altura parte de mim já sabia que ia ser ruim de qualquer jeito e é quase uma parte da minha experiência de viagem que eu não consigo controlar. O falafel foi porque eu tô com desejo de falafel desde que comi numa lanchonete síria incrível em Lausanne, mas esse tava ruim e eu nem terminei porque vi que ia passar mal.

Enfim, é tão diferente chegar numa cidade nova de noite e de dia. De dia é tudo incrível e mesmo com o transtorno que é o transporte com a mala eu chego no hostel cheia de energia e só quero tomar um banho e sair pra conhecer a cidade.

Eu percebi que esse é praticamente o último hostel dessa minha viagem solo e daqui pra frente eu vou ficar mais em hotéis, e por essa parte eu não lamento nem um pouco, mas na verdade, eu tô um pouco triste que meu trecho solo já tá acabando.

É engraçado porque eu achei que a esse ponto ia ser um alívio que minha mãe tá chegando em breve, depois de ter ficado tanto tempo sozinha, mas na real eu tô aproveitando tanto e sinto que tô cada vez mais adaptada e confortável a essa “rotina” que agora parece que tá acabando rápido demais. De repente ao final desses dias em Viena isso já vai ter mudado um pouco, mas de qualquer maneira, eu tô bem feliz que mesmo com todos os problemas logísticos eu gostei tanto de viajar sozinha, e eu tô muito mais adaptável a esse ritmo do que eu esperava.

Mas também tô tentando tomar mais ciência dos sinais de solidão, que não são nada demais mas eu vejo que tão aqui. Eu me pego com mais frequência pensando no Brasil e na minha família e amigos, e meio que já me animando um pouco pra ir pra lá de novo em Dezembro, apesar de que parece que foi ontem que eu fui em Abril. E eu tô reparando também que eu não tenho falado com ninguém direito, meu WhatsApp ficaria parado por mais de 24h direto se não fosse minha família falando.

Tá batendo todo o sono que eu não senti durante o dia agora então eu espero dormir como um bebê pra sair bem animada amanhã pro meu primeiro dia real em Viena.


19/07/22, terça, 12:38
restaurante grego em frente ao Belvedere
Viena, Áustria

Eu acabei de ver essa pintura do Klimt pela primeira vez na loja do Belvedere e decidi que é minha favorita. As cores, os girassóis e a forma que as folhas contornadas parecem corações, é incrível. Infelizmente essa não tava exposta e sim guardada na coleção do museu, uma pena; até voltei pra verificar se eu não tinha perdido. Eu sempre acho que vou me perder nos museus e ir embora sem ver algo importante. Quase comprei um cartão postal dessa pintura, depois um porta-copo, e enfim decidi no caderno sem saber pra que ia usar, e agora sentada no restaurante me deu vontade de escrever.

É tão romântico escrever num diário de viagem físico, tomando um café depois do almoço, que eu me sinto extremamente boba. Eu tava escrevendo antes no bloco de notas do celular, nada poético, mas ainda tô encontrando minha voz nesse gênero textual. Às vezes meu impulso é narrar tudo que eu fiz no dia; às vezes eu penso que devia falar só de como eu tô me sentindo. De qualquer maneira, vai ser divertido ter um registro dessa viagem.

Eu penso um pouco demais na logística dos meus diários, na chatice de usar o celular vs. a impraticidade de levar um caderninho pra todo lado caso eu queira escrever. Me pego imaginando se eu ficar famosa um dia e depois da minha morte eles tentarem compilar meus diários ao longo dos anos, e acharem arquivos do Word de quando eu era pequena, notas no iCloud e na Samsung Cloud, algumas páginas daquele diário de quando a minha terapeuta me pediu pra escrever um (acho que joguei fora pra não deixar desprotegido em casa), e agora esse. Talvez fiquem gratos de não ter que digitalizar e transcrever a maioria.

Sempre tive preguiça de escrever muito manualmente, mas eu não escrevo com regularidade há meses, e minha letra descacetou toda. Mas eu escrevo bem mais rápido agora que me importo menos, e é bom também poder passar um tempo segurando algo diferente do celular.

Mas já tô cansando e não tenho muito a dizer.

O museu Belvedere foi melhor do que eu esperava, e o Beijo do Klimt menos impressionante do que eu esperava. O quadro é menor do que eu pensei, e as cores não são tão brilhantes. Mas outras obras dele são incríveis, e as do Egon Schiele também. Eu amei os comentários e contexto histórico ao lado das pinturas, e algumas tinham até um app de realidade aumentada pra ver detalhes em zoom e outras análises.

Tô tentando desvendar quais movimentos artísticos eu mais gosto —  hoje foi modernismo austríaco, ou expressionismo; ontem foi o impressionismo com Monet, ou a arte contemporânea de Hans Weigand na Galeria Albertina. Não entendo nada de história da arte.

Fora o museu, não me impressionei com os jardins, nem tanto com o exterior dos palácios. Mesmo o resto de Viena tem uns palácios mais interessantes, e construções diferentes  —  eu amei a cor salmão do Musikverein, as janelas vermelhas da ópera, e as colunas gigantescas da Karlskirche.


quarta, 20/07/22, 11:09
cafeteria no parque do palácio de Schönbrunn
Viena, Áustria

Hoje eu tô bastante mau humorada  —  desde ontem na real, mas acho que é uma mistura de TPM, cansaço, e o sol torrando minha cabeça.

Ontem bateu o cansaço e eu não aguentava mais andar, e ainda me perdi na universidade de Viena procurando um banheiro com pressa antes de entrar na Karlskirche. Quase chorei dando voltas incontáveis pelos corredores confusos e depois atordoada na saída do concerto errando o caminho 3x até achar a estação de metrô. Eu parecia bêbada andando pela rua toda tonta buscando comida e depois desistindo de comer, e simultaneamente, carregando um pacote de doces turcos que me custaram a quantia absurda de 15€ num mercado de rua.

Também tive um sonho horrível e super aleatório essa noite, que girava em torno da morte do ator de Normal People que agora namora a Phoebe Bridgers, nem lembro o nome dele, mas no sonho ele morria e eu não conseguia superar, chorava por horas a fio. Até no sonho eu tava ciente que eu tava na real sofrendo por outras mortes.

Acho que eu fiquei bugada depois do concerto ontem. Minha mente tava só esperando a parte da tempestade de verão que toca em Retrato de Uma Jovem em Chamas, mas depois eu comecei a pensar nas estações do ano em Donostia, e o verão e o outono me pegaram. O outono foi tão longo que eu nem identifiquei onde o inverno começava, quando vi já tava no final. Fiquei toda esquisita.

Também dormi estressada com a menstruação por não ter banheiro perto e quando enfim levantei e fui, só tinha uma gota no absorvente.

Tô agora criando coragem pra enfrentar o sol de novo e seguir pro resto do parque, depois de um affogato com espresso duplo que me custou os olhos da cara. Esse lugar parece um parque da Disney pra velhinhos europeus.

23:32, mesmo dia

O cansaço bateu com tudo de novo hoje mas também os 2 espressos e eu tô exausta mas sem sono. Acabei saindo de novo pra andar pelo bairro e fui ao Museu de História Natural mas passei mal de calor lá dentro. Só de lembrar tô me sentindo toda quente de novo e eu queria que esse quarto fosse melhor ventilado.

Talvez eu também esteja ficando um pouco solitária aqui em Viena, fazendo tudo sozinha desde que cheguei, mas de ontem pra hoje eu já aceitei que é o que temos e não quis pensar muito sobre. Daqui a pouco eu vou pra casa da minha amiga alemã então são só mais 2 dias.

Comecei a ver um novo filme lésbico e percebi que também tô solitária nesse quesito. Saudade da morena e também da sensação de conhecer uma menina nova num rolê e ficar toda animadinha. Saudade também de ter contato com outras pessoas gays no geral. Nisso eu espero muito que Malta seja melhor que Donostia  —  pelo menos lá tem mais jovens e mais estrangeiros.

Tô tentando abrir meu coração sobre o que tá pesando na minha mente pra ver se eu consigo dormir em paz e sem pesadelos bizarros como ontem. Não preciso de mais desculpa pra passar mais tempo no hostel vendo dramas e filmes ao invés de sair.


quinta, 21/07/22, 18:25
Café Savoy
Viena, Áustria

A tática de ontem parece que funcionou porque eu dormi como um bebê. Agora há pouco também tive terapia e falei tudo que podia falar então tô mais leve.

Por outro lado hoje parece ser o dia mais quente da minha viagem inteira. Eu saí meio sem rumo e andei por alguns lugares legais e fui picada por uma abelha e almocei um schnitzel gigantesco. Agora vim nesse café gay por curiosidade e tô morrendo de calor aqui também.

Fui essa tarde no museu Leopold porque tem uma coleção enorme do Egon Schiele e do Klimt. Foi engraçado ver obras antigas do Klimt de quando ele fazia arte no estilo padrãozinho da época, antes de se rebelar. E a coleção do Schiele é de fato impressionante, mas fora isso não achei esse museu nada demais.

Não tenho ânimo pra fazer mais nada nesse calor, tô escrevendo só pra passar o tempo enquanto fico nesse café. Preciso responder várias mensagens e enviar um email pra Ryanair e resolver outras coisas de viagem mas só quero terminar o filme lésbico e ver aquele drama também.

Começou a tocar aqui no café uma música da Billie Eilish e por um segundo eu achei que fosse a que uma amiga me enviou mensagem de áudio cantando um dia quando eu tava miserável. Mas não era a mesma e depois eu não consegui achar qual era aquela, o que deve ser um bom sinal.

Amanhã é meu último dia de viagem solo  —  de noite eu já tenho o ônibus pra Würzburg. Passou rápido e eu diria que podia ficar mais tempo, exceto que eu já tô um pouco (bastante) solitária aqui então seria preocupante ter muito mais tempo em hostels tão antissociais. Mas também de agora em diante vou passar todo meu tempo com gente que já conheço então vai ser interessante ver o contraste disso com os últimos 20 dias.


22/07/22, sexta, 14:40
café perto da catedral
Viena, Áustria

Meu último dia em Viena também parece ser o mais quente, ou talvez seja só porque eu sei que vou passar a noite inteira no ônibus e não posso tomar outro banho antes. Mas eu me pouparei o melhor possível e na real com esse tempo vai ser um alívio sentar num ônibus com ar condicionado e não ter que me mexer por 8 horas.

Não tinha mais ideia do que fazer aqui hoje (como ontem) mas acabei tomando a excelente decisão de ir no Museu Sisi, e também fiz uma tour pela cripta da catedral. Eu sempre gostei desse tipo de passeio meio mórbido, mas hoje até pareceu um pouco como um desafio a mim mesma, entrar lá e ver aqueles túmulos e as pilhas de ossos. Foi mais legal do que eu esperava com a tour guiada.

No geral esses 5 dias inteiros em Viena foram excessivos, mas ao mesmo tempo, é uma cidade com muita coisa pra fazer e eu não fiquei nunca entediada nem tive que fazer nada com pressa. Com menos tempo eu não teria feito esses passeios de hoje e ontem que eu adorei, então zero arrependimentos. Mas eu vou embora de Viena sem necessidade de voltar tão cedo pra turistar mais. Na próxima venho pra visitar amigos e conhecer a vida noturna aqui.

21:01 (mesmo dia)
área comum do hostel

Pensando bem, estar em Viena é o momento em que faz total sentido eu ter começado um diário manuscrito, porque eu fico tao inspirada com toda a arte aqui. No total eu fui em 7 museus nesses 5 dias aqui (acho), e hoje eu fui ao Museu Sisi que gira em torno da vida de uma mulher, e tem em exposição as roupas dela, cartas, diários, coisas que ela levava pra viajar. A mala dela de viagem tinha utensílios pra fazer as unhas e eu lembrei do meu próprio kit de manicure, e da minha lixa e meu alicate sempre na bolsa.

Sempre que eu escrevo (aqui ou cartinhas pra alguém) eu penso na Virginia Woolf; não dá pra não pensar, com o tempo que eu passei lendo as correspondências dela. Sempre imagino algum pesquisador compilando meus diários pra publicar ou expor em algum lugar. E nem só isso; imagino eles encontrando o bilhete que eu deixei na Casa de Julieta em Verona, as fotos que eu tirei e enquadrei com plaquinhas como se estivessem num museu. Eu tô sempre romantizando a minha vida como se me preparando pra fama póstuma.

Mas na verdade a parte da fama nem é essencial; volta e meia imagino também alguém lendo isso quando eu morrer, e nesse caso eu sempre me imagino morrendo jovem, minha família ainda com a idade que têm agora, na casa onde vivem agora. Imagino eles encontrando tudo que eu escrevi e guardei, o que pensariam. Concluí que não importa muito se lerem porque eu já vou estar morta mesmo. Talvez seja até um consolo, essa chance de ver melhor quem eu era.

Que surto. A cripta hoje me deixou mórbida demais. Tô indo pegar meu ônibus.


domingo, 24/07/22, 15:42
parque em Würzburg
Alemanha

A viagem de ônibus pra cá foi a pior dos longos trechos que eu tive nessa viagem até agora. Eu logo comecei a me sentir mal e não consegui dormir até umas 3 da manhã. O ônibus também parou várias vezes e eu só fiquei acordada. Acho que dormi umas 3 ou 4h e quando acordei o sol já tinha nascido e faltava 1h pra chegar então eu fiquei vendo My Liberation Notes, e esse drama ficou bem mais triste do que eu esperava.

Do nada a mãe dos protagonistas morreu e eu realmente não imaginava isso porque a vida deles já era tão triste. Se não estivesse no ônibus eu teria desabado em lágrimas e mesmo assim derramei algumas porque foi triste demais. E depois ver os personagens lidando com um luto tão pesado, eu me identifiquei demais com a menina que só conseguia chorar o tempo todo, e a maneira que eles tentam seguir a rotina normal mas muito tristes e não falando sobre. Foi bom ver o irmão que conversa com os amigos sobre a mãe dele e sobre a morte da avó dele quando ele era mais novo também. Foi legal ver como os amigos dele fizerama companhia e cuidaram dele e ouviram ele falar o que precisava, ao invés de tentar distrair ele e evitar a tristeza.

Cheguei em Würzburg morta de sono mas foi bom porque minha amiga também tava exausta terminando o TCC dela então fomos juntas entregar ele na faculdade e depois ficamos de bobeira e cochilamos um pouco.

De noite a gente tava pensando em sair mas acabou que ficamos em casa com as roommates dela fazendo drinks, saímos pela janela e fomos no terraço de um edifício-estacionamento do lado, e ficamos dançando na sala depois. Foi uma daquelas noites que parecem até meio surreais de contar pra alguém depois, de tantas coisinhas legais que aconteceram de maneira tão espontânea e vão ficar nos destaques dessa viagem na minha memória.

É doido pensar que já acabou minha viagem solo porque passou tão rápido; parece que foi ontem que eu tava em pânico no aeroporto de Biarritz e chegando em Nice com a minha mala gigante, mas ao mesmo tempo, eu já tava começando a me acostumar com o ritmo de viagem e de pular de hostel em hostel.

Por outro lado, estar aqui na casa da minha amiga também me faz pensar em quando eu achar apartamento em Malta e começar a me estabelecer em outro lugar pro próximo ano e começar a cozinhar de novo e me preparar pro semestre. Mas também tô bem animada pro próximo mês de viagens, e todos os lugares lindos que eu vou ver com a minha mãe, e pra ver a minha melhor amiga.


25/07/22, segunda, 12:19
trem de Würzburg a Amsterdã

Eu não sei como não imaginei isso mas esse trem tá sendo o pior trecho de todas as minhas viagens desde o início do mês. Parece que um monte de gente teve trens cancelados ontem e pegou esse mesmo hoje e tá super cheio e caótico. Toda parada tá levando cerca de meia hora e até todo mundo passar com as malas e achar lugar o trem já para de novo e o caos recomeça.

Não tenho nem muita coisa pra assistir agora porque terminei My Liberation Notes, e ontem eu e minha amiga vimos Persuasion. A gente adorou o filme apesar de ser muito bobo e mal escrito, porque foi divertido e mais engraçado do que eu esperava. E acabou sendo perfeito pra assistirmos juntas porque tivemos a mesma opinião do filme e rimos muito.

Antes disso ontem a gente passou a tarde inteira de bobeira no parque, ela lendo e eu vendo série ou escrevendo, e também tivemos umas conversas ótimas. Falamos do dilema de querer morar em muitas cidades diferentes e ter que reestabelecer relações em cada lugar, e falamos muito de línguas e linguística. Falamos de como ela se formou em computação mas vai fazer um mestrado em ciências sociais e eu poderia fazer o mesmo, o movimento contrário de todo mundo estudando pra entrar em TI, e a gente querendo sair. Falei de como eu não sei o que fazer na minha tese de mestrado, mas adorei as matérias de lógica e linguagens formais na Espanha, e de como eu não sei se vou ficar na Europa ou voltar pro Brasil.

Foi muito bom passar esse tempo com ela e relaxar mas também ter essas conversas. Eu sabia que a gente ia manter contato depois de Donostia mas foi bom ver acontecer mesmo e fazer planos pra ver ela em Viena e ela ir me visitar em Malta.


terça, 26/07/22, 23:32
hotel em Amsterdã
Holanda

Minha mãe chegou em Amsterdã ontem à noite e desde então temos tido altos e baixos. Eu vim pro hotel sozinha e depois fui buscar ela no aeroporto e viemos pra cá e saímos de novo então meu dia foi bem cansativo mas nem se compara a hoje.

Os altos foram porque Amsterdã realmente é tão bonita quanto dizem. É mais caótica do que eu esperava  —  mais real, com mais gente vivendo vidas normais em meio aos turistas, e não como aquelas ciddes polidas que parecem sets de filmagem. Chega a ser um pouco intimidador porque as pessoas que vivem aqui parecem tão legais com suas bicicletas e roupas de ginástica modernas e tomando café em cafeterias hipster que só aceitam cartão. Eu me senti bastante insegura com as minhas roupas e tentada a me esforçar pra sair mais arrumada ou até ir fazer compras.

Os baixos foram no geral o choque de viajar com alguém depois de quase 1 mês sozinha. Minha mãe já chegou ontem falando sem parar, ligada no 220V, e tava me deixando maluca.

Eu tô ciente do quão ranzinza eu tô sendo, é só que eu tive bastante tempo sozinha fazendo tudo como eu queria, do meu jeito, e o jeito dela é diferente, mas não necessariamente ruim. Hoje ela quis seguir passo a passo um roteiro de uma caminhada de 7km por quase todo o centro turístico da cidade, respeitando a rota certinha, rua por rua, coisa que eu nunca faria sozinha. Mas se eu paro pra pensar, foi um ótimo jeito de ter uma visão geral da cidade, porque é até bem grande e eu ficaria sem saber bem por onde ir pra ver as coisas que não são pontos exatos e sim só ruas e pontes bonitas.

Também não ajudou que o tempo tá nublado e eu subestimei o frio e saí mal vestida e com uma camisa desconfortável que me irritou o dia inteiro.

Foram várias lições aprendidas pra amanhã. Eu tô me sentindo mal de ser tão implicante com a minha mãe quando ela tá tão feliz de estar aqui. Vou tentar manter isso em mente pra ser mais paciente e deixar ela fazer as coisas como quiser e só relxar e curtir, ou também tentar ser mais delicada. De repente nos próximos dias a autocrítica já vai me fazer ter mais paciência.


domingo, 31/07/22, 21:46
hotel em Bruxelas
Bélgica

Chegamos em Bruxelas hoje e só pisando aqui me ocorreu que já é um país novo depois de 5 dias na Holanda e 2 na Alemanha e 5 na Áustria e 10 na Suíça. Agora pulando de capital em capital essa viagem tá ficando mesmo com carinha de Eurotrip clássica e é meio doido estar vendo esses lugares que eu já ouvi falar tantas vezes, ao contrário de Donostia e os outros lugares menores que viajei.

Amsterdã foi: uma das lindas da Europa; muitas comparações com Veneza; gente muito bem vestida; tudo moderno demais (cashless e bla bla bla); cafeterias hipster caras; cheirinho de maconha no ar; Killing Eve 2x04 e a busca pelo set inexistente do assassinato no Distrito da Luz Vermelha. De Bruxelas, por outro lado, eu sabia muito pouco; só as impressões de uma amiga que já veio, e a música da Angèle. Sentamos num bar hoje e tocou Angèle por um tempão e eu adorei conhecer algo que toca aqui. E tô felizinha de falar francês outra vez.

Amsterdã foi, principalmente, muito cansativa em todos os sentidos possíveis. Já depois do primeiro dia meu tornozelo voltou a latejar e meus calcanhares doem constantemente de cansaço e até meu pescoço tem doído; dormi muito mal umas 2 noites lá quando ficou quente e com mosquitos no quarto. Tô ficando tão dependente de café que hoje tive uma uma dor de cabeça monstruosa porque acordei muito cedo e não tomei café até depois do almoço. Nõ dá tempo de descansar pro tanto que eu tô cansada.

Mas fora isso os últimos dias foram melhores com a minha mãe, passado o choque inicial. Tô tentando ser um pouco mais paciente pra me estressar menos porque ficar de birra só vai estragar a viagem.

E eu também tenho notado mais as minhas hipocrisias. Eu me prezo tanto por viajar de maneira mais informada e culta e me interessar pelo contexto dos pontos turísticos que tô vendo, mas ela tá sempre lendo online a história dos lugares que vamos, e eu nunca quero ouvir, seja por implicância com os blogs de viagem ou por cansaço mental, ou só porque eu quero apreciar em silêncio e pesquisar/ler só o que me interessa. Viajando sozinha eu também recorro a esses blogs pra me guiar sobre o que fazer.

Mas eu ainda prefiro (quando sozinha) seguir o meu julgamento do que me parece interessante, e não ficar passando por uma lista de pontos turísticos da cidade até riscar tudo mesmo que seja irrelevante pra mim. O meu ranking mental de tipos de atrações que eu gosto e meu instinto estão cada vez mais purados. Volta e meia minha mãe ainda vence e me arrasta pra lugares que eu não queria ir mas acabo gostando bastante, mas por exemplo, ontem eu podia tranquilamente ter passado o dia na parada gay de Amsterdã ao invés de me cansar tanto indo pra Haia e Roterdão (tão sem graça que tirei 5 fotos em cada).

Enfim, faz parte das concessões que temos que fazer viajando com mais alguém. A vinda pra Bruxelas foi um pouco caótica mas tudo sob controle e o primeiro dia foi ótimo porque adoramos a cidade. Também ajuda que agora a minha mãe tá com mais cansaço acumulado então estamos pegando mais leve, hoje ficamos um tempão sentadas de bobeira num bar antes de vir pro hotel.

Eu desmarquei a terapia essa semana porque tava complicado demais mas já avisei a minha mãe que vou precisar fazer algum dia em Berlim, e já tô pensando em como contar dessa semana. Não vai ser surpresa nenhuma pra minha terapeuta o choque de terminar a viagem solo mas eu prefiro não chegar na sessão em crise, e sim contar de como eu me acalmei sozinha. Hoje também enfim respondi muitas mensagens e falei com a morena e arrumei minha mala então tô sentindo que tudo tá se acomodando melhor, e daqui pra frente vai ser tranquilo com problemas mínimos.


02/08/22, terça, 12:00
hotel em Praga
República Tcheca

Chegamos em Praga agora e por um milagre minha mãe quis descansar então ela só foi cochilar e eu já tomei banho, tomei café e agora tô só descansando a cabeça. Tivemos que acordar 4h da manhã pra ir pro aeroporto e foi uma saga. Não tivemos grandes problemas mas também não foi simples e ontem foi bem estressante. Tô começando a ver as desvantagens de pegar esses voos Ryanair em aeroportos super longe da cidade  —  hoje tivemos que pegar um táxi e depois ficamos 1h no ônibus pro aeroporto, e depois mais 1h em 2 ônibus em Praga com as malas quebradas. A mala da minha mãe quebrou no voo e deu pra ver o humor dela se esvaindo, a vinda pro hotel foi tragicômica. Mas Praga parece muito linda mesmo pelo pouco que vimos, e mesmo exausta eu já tô ansiosa pra ir ver a cidade.

Essas mudanças de cidade pra cidade têm sempre sido caóticas mas de certo modo parecem piores ainda com companhia. Em parte é porque minha mãe é enrolada igual a mim  —  tô vendo como a genética é forte  —  e anda por aí com uma mochila e uma bolsa e uma sacola de comida, e também não consegue puxar a mala direito, e demora pra procurar as coisas e se enrola toda. Em parte é também que ela se incomoda com pequenos detalhes. Mas acho que em grande parte é só que estando com ela eu tenho com quem reclamar. Sozinha eu arrasto minha mala quebrada e erro o caminho 10x e pego ônibus e subo e desço escada e não tem o que fazer, faz parte, eu descanso depois e fica tudo bem. Mas com ela a gente reclama juntas e tudo parece um pouco pior. Às vezes também é só porque eu tô muito mais cansada. Mas é fato que eu tenho cometido muito mais erros bobos do que quando tô sozinha; coisas tipo pegar transporte errado, esquecer cartão no hotel, esquecer garrafa d’água no ônibus etc. Acho que é tudo pela responsabilidade e ter alguém comigo e ter que tomar decisões pelas duas e sabendo que não sou só eu que vou sofrer as consequências dos meus erros, e também que eu me distraio me estressando com besteiras e acabo errando.

Por outro lado é engraçado também reparar em todas as maneiras em que a gente é similar. Ela não consegue sair sem levar o mundo na bolsa pra garantir caso precise, e tá sempre tentando planejar tudo nos mínimos detalhes, até mais que eu. Isso me irrita um pouco e eu tenho tentado mais viver no momento, e tento frear ela quando o dia mal começou e ela já tá planejando o que fazer amanhã. Agorinha mesmo enquanto escrevo ela tá vendo a previsão do tempo de amanhã pra decidir o que vestir hoje. Eu era muito mais assim mas hoje em dia não tenho paciência e prefiro pensar só no imediato.

Eu preciso também entender que a essa altura eu já me acostumei mais a viajar por aqui, e pra ela é tudo bem mais novo e diferente. Ela se recusa a perder tempo e eu prefiro descansar mais e talvez passear menos mas com mais calma e com o corpo não tõ dolorido. Hoje vou sair à base de café e Mioflex. Mas vou tentar manter o bom humor porque temos bem pouco tempo aqui.


quarta, 03/08/2022, 09:35

Ontem foi um dia quase perfeitinho aqui em Praga. A gente amou a cidade e eu topei só seguir o roteiro que minha mãe viu e gostei de tudo que visitamos. Ela quis entrar em todas as igrejas e eu deixei passar algumas e fiquei sentada esperando e descansando.

Ela agora tá mais ou menos no mesmo nível de cansaço que eu então tá sendo mais fácil porque não sou só eu sofrendo e pedindo pra descansar. O único estresse em Praga ontem foi o calor, que apesar de ser um alívio depois de Amsterdã, ainda é um choque. Percebi que eu não me importo tanto com o calor em si (porque aqui mesmo com 30 e tantos graus não é tão úmido e horrível como no Rio), mas o sol na cabeça me perturba demais. Começa a ferver o cérebro e eu não consigo mais olhar pra nada e só quero ir pra sombra. Isso também obriga a gente a ir com mais calma.


quinta, 04/08/22, 11:40
trem de Praga a Berlim

Resolvi escrever só porque estamos agora no trem lotado e ainda falta 1h pra chegar em Berlim e meus fones precisam carregar um pouco. Mas eu tava bem entretida vendo Our Beloved Summer no Netflix e minha mãe tava plena dormindo nos 3 assentos vazios da cabine. Eu tinha acabado de deitar também quando paramos em alguma cidade alemã e entraram 4 caras com mochils enormes aqui. Eles foram educados mas estamos todos apertados e desconfortáveis com as nossas 2 malas enormes no meio.

Acho que ontem foi o dia mais cansativo da viagem inteira, exceto talvez pelo dia da tour andando por Amsterdã; naquele dia eu ainda não tava com tanta dor nos pés mas meu humor tava pior e tava frio. Em Praga ontem a gente simplesmente tinha muito pra ver e fazer em 1 dia só. Mas valeu à pena porque a cidade é linda demais e até o fim vimos prédios incríveis. Eu fiquei boba com a Casa Municipal e triste de não ter tempo pra ir num concerto ali, nem na exposição ou o museu do Adolph Mucha. Vai ficar na lista de cidades que eu já quero voltar porque o tempo foi insuficiente, como Londres.


segunda, 08/08/22, 17:17
bar do hotel
Berlim, Alemanha

Hoje de manhã eu deixei minha mãe no aeroporto e assim que entrei no trem pra ir embora anunciaram que o voo dela foi adiado. Considerei voltar mas ela conseguiu se resolver lá e agora vai ter que pegar mais 3 voos entre Munique e o Rio pra conseguir chegar amanhã. É uma merda e ela vai querer processar a Lufthansa. Enquanto isso minha melhor amiga já tá no aeroporto pro voo dela e eu vou daqui a pouco também.

Eu fui almoçar com um amigo que conheci no hostel de Marselha e antes tive uma sessão ótima de terapia. Já tava precisando depois das últimas 2 semanas. Não queria muito falar sobre o que realmente tá me preocupando agora mas me rendi e confessei tudo. (…) Como sempre, ela também me perguntou sobre as minhas expectativas, e eu não sei se falei a verdade. Espero que sim. E o que ela falou me ajudou bastante. (…)

Enfim.


sábado, 13 de Agosto, 19:56
hotel em Lisboa
Portugal

Não tenho escrito esses dias porque foi tudo tão caótico e cansativo, temos ido dormir às 22h quando podemos. Mas eu tenho bastante pra falar, mais do que eu tenho energia pra escrever.

(…)

Hoje chegamos em Lisboa e eu tô me sentindo mal por várias razões. O metrô tava interrompido então foi o maior rolê pra chegar no hotel, o quarto é minúsculo e super antigo, com um cama de casal pequena, tudo velho e meio disfuncional, e o hotel é afastado do centro. Tô tentando me lembrar que eu escolhi assim pra economizar porque tá tudo muito caro, e que a gente tá viajando, então é tudo perrengue chique e faz parte. Temos bastante tempo em cada lugar então dá tempo de fazer as coisas com calma e descansar mais. Minha melhor amiga também tava mais sedentária que eu e tem menos costume com esse ritmo de viagem então ela tem cansado rápido, diferente da minha mãe rata de academia.

Ela tem gostado dos lugares que visitamos e ficado super investida em pesquisar o que fazer e escolher passeios  —  fomos a museus e fizemos passeios de barco e amanhã vamos pegar o ônibus hop-on hop-off. Isso me faz feliz porque eu tava super insegura de aqui não ser tão interessante quanto outros lugares que eu fui sozinha. Mas ela disse que aproveitaria igual se estivesse comigo em qualquer lugar então não tem porque ficar pensando nisso.


19 de Agosto de 2022, 23:38, sexta
hotel em Lagos
Algarve, Portugal

Nossos 5 dias em Lisboa foram uma montanha russa. Logo no dia da chegada a gente saiu à noite e foi parar num bar com música brasileira antiga e eu bebi muito e dancei mais ainda e foi excelente e confuso. No dia seguinte tava tudo ótimo até minha amiga fazer alguma piada sobre ir embora em 15 dias, e eu tive uma crise de choro num nível que não conseguia parar nem com pizza na boca. A gente tava super bem fazendo piada e rolando de rir e depois o clima mudou totalmente, e eu falei brincando (ainda chorando) que a festa tinha virado um enterro.

(…)

Mais tarde ela perguntou se eu tava bem e eu não lembro o que eu falei ou perguntei mas em algum momento ela disse que fica preocupada comigo, e isso me deixou pior ainda. Só porque é triste não significa que seja preocupante. É igual quando eu tava nervosa pra voltar do Brasil em Abril e todo mundo achou que eu não quisesse voltar. É só impossível me abrir sobre as partes difíceis sem que achem que eu quero desistir.

(…)

Acabou sendo perfeito o momento de vir pro Algarve porque nenhuma das duas tava aguentando mais o rolê cidade. No último dia eu já tava tão cansada de fazer planos que topei um rolê furado pra Cascais que foi a cereja do bolo caótico de Lisboa. Hoje a gente ficou na praia e fez um passeio de barco incrível e eu tava achando o dia espetacular até que ela comentou que podia ter “só ficado na praia ao invés de ir ver rochedo”; eu emburrei na hora porque só fui nisso porque ela gosta de passeio de barco e inclusive foi ela que sugeriu quando viu o folheto. Ficamos numa vibe esquisita pra decidir o que fazer amanhã e no final parece que vamos só ficar em outra praia aqui em Lagos mesmo.


sábado, 20 de Agosto, 23:15
hotel em Lagos
Algarve, Portugal

Eu não queria mais escrever hoje nem tô escrevendo o que eu queria quando parei ontem mas deitei pra dormir e sigo inquieta então só restou isso. Tive outra crise de choro ontem com um gatilho inacreditável e eu tava bem no meio de pintar as unhas.

(…)


segunda, 22 de Agosto de 2022, 20:13
hotel em Faro
Algarve, Portugal

Ontem a gente chegou em Faro e foi pra uma praia tão decepcionante que minha amiga cismou em dizer que parecia Maricá. Logo que chegamos eu percebi o tamanho do meu erro em vir pra essa cidade, porque eu nem sequer olhei direito no mapa ou saberia que todas as praias aqui só são acessíveis de barco. Minha ideia original era ficar em um lugar central em termos de transporte pra gente poder ir a outras cidades, e esse plano falhou por 2 motivos: nem aqui o transporte é bom assim pra valer à pena, e a gente não tá mais com saco de fazer bate-volta de qualquer jeito. Mas enfim, hoje acabamos indo à Ilha Deserta e foi bem legal então nem tudo está perdido.

E ontem à noite também rendeu vários pontos pra Faro.

Depois da praia a gente foi a um bar brasileiro que supostamente teria um pagode, e quando chegamos tava rolando um samba com um pouco de funk nos intervalos. Eu não conhecia nada do que tocou mas adorei a energia do pessoal brasileiro e minha amiga cantou e dançou horrores.

Assim que a gente chegou eu fiquei de olho numa menina linda, loira de óculos e toda tatuada, de calça e cropped brancos, linda linda, e quando eu sorri ela sorriu de volta. Ela me chamou pra colar com o grupo dela, e papo vai papo vem, eu perguntei se ela gosta de morar em Faro e ela respondeu que “não tem sapatão o suficiente.” Mensagem compreendida. Mais tarde minha amiga escapou porque já tava meio óbvio, e a gente se beijou no meio de todo mundo mesmo, do lado da roda de samba. O que não faltou foi plateia, mas com os amigos dela e outros gays atentos ao redor estávamos protegidas e não tivemos problemas; muito pelo contrário. Uma sapatão hilária disse pra gente parar porque tava bonito demais, e uma moça super simpática veio contar que o filho dela é gay e a filha mais nova também tá dando sinais e ela apoia totalmente. Foi muito bonitinho e eu ainda tô reflexiva sobre como eu me senti protegida com essas pessoas ao redor, mesmo tão em público e com gringos passando e fazendo comentários, em contraste com aquela experiência horrível que eu tive com a menina suíça num bar lá em Donostia. Mesmo lá tendo sido num canto escondido, eu me senti tão mais ameaçada pelos héteros espanhóis horríveis e zero protegida pelo grupo que a gente tava.

(…)


28/08/22, 17:12, domingo
voo de Barcelona a Luxemburgo

Hoje eu tô sentindo tantos sentimentos que tá difícil colocar tudo em ordem e eu pensei que talvez tentar escrever pudesse ajudar. Tô super agitada fazendo mil coisas pra me distrair porque não consigo dormir, só de fechar o olho eu imediatamente quero chorar. No último voo pra Barcelona eu chorei escondida do início ao fim porque fiquei triste demais que o tempo com a minha amiga já tava acabando e depois eu estaria sozinha de novo e indo morar em um país novo de novo.

Os dias em Barcelona foram tumultuados também, outra montanha russa. (…) A despedida hoje foi horrível. Eu já levantei hoje segurando o choro e fomos até o portão de embarque em clima de enterro. Desabei no ombro dela e ainda foi pouco, me segurei horrores pra não continuar chorando no saguão porque Deus sabe quando ia conseguir parar.

(…)


sábado, 3 de Setembro de 2022, 10:35
aeroporto de Karlsruhe/Baden-Baden
Alemanha

Nem terminei de escrever direito na última vez porque o avião tava pousando e agora passou uma semana e eu vou mudar completamente o assunto.

A chegada em Saarbrücken foi caótica e cansativa como esperado, mas as coisas começaram a melhorar assim que eu cheguei no hostel. Ainda no saguão eu conheci um grupinho que tava ficando lá também, e de cara 2 deles me chamaram atenção: uma loira alta de cabelo curto, e um loirinho simpático claramente gay. Todos foram super simpáticos comigo e eu acabei dividindo quarto com o menino, um pouco hesitante de ficar lá só com um menino que eu tinha acabado de conhecer, masa ele me deixou bem tranquila e logo mencionou que tinha namorado, confirmando minha suspeita. Também fiquei imensamente feliz de já ter um amigo gay que também vai pra Malta.

E aí teve a loira russa. Até pausei a escrita agora porque ela acordou e me mandou mensagem e eu fui toda animada responder. Com ela foi à primeira vista, até nesse primeiro dia ela ficou batendo papo comigo na cozinha até a hora de dormir. Na segunda-feira a gente já foi se grudando e fazendo tudo juntas. A segunda à noite foi excelente, a gente comprou bebida e foi pra um lago ao lado do hostel com todo mundo lá e foi super legal. Ficamos grudadas direto, tagarelando até quando fomos fazer xixi.

E aí rolou o encontro de todos os gays. Uma americana que eu já tinha falado no Discord ano passado puxou o assunto, perguntando sobre a vida noturna gay em Donostia, e daí pra frente não se falou mais de outra coisa. Eu já tava quase 100% certa sobre a russa mas o estilo dela me confundiu muito, e aí ela confirmou que é bi e namora uma outra menina russa há dois anos.

O grude já tava estabelecido e o sentimento da intimidade que estávamos criando foi claramente mútuo; todo mundo notou que a gente tava obcecada uma pela outra. Exceto pelas sessões que tivemos que ir separadas, eu não passei mais de 1h longe dela até ontem. Eu me senti até ridícula às vezes com aquela felicidade bobinha de pré-adolescente fazendo tudo grudada com melhor amiga. Ela acabou se mudando pro nosso quarto porque tava irritada com outra menina no quarto dela, e fazia tempo que eu não ria tanto, com ela andando pelo quarto sem parar procurando coisas nas malas bagunçadas e fazendo mais bagunça. A gente tem a mesma energia caótica.

(…)

Depois da nossa despedida eu voltei mais tristinha e reflexiva, triste por todas as despedidas que essa vida me exige, triste pela despedida com a minha melhor amiga antes, e por essa em particular também, pela incerteza de quando vamos nos ver de novo, e por o tempo que tivemos juntas ter sido tão curto.

A gente tá se falando sem parar desde que ela foi embora ontem, o que já me deu um alívio enorme. Também é um alívio poder ser tão sincera sobre como eu tô me sentindo sem medo de assustar ou ser mal-entendida, mesmo a gente só se conhecendo há uma semana. Não sei se o hype vai passar e a gente vai perder contato ou só se falar às vezes, mas espero que não. Me parece especial, algo que não acontece tantas vezes, e eu quero ver isso evoluir e acompanhar a gente, eu conhecendo Malta e ela descobrindo Donostia. Quero continuar conversando sobre tudo e fofocando e reclamando e rindo muito.


domingo, 04/09/22, 20:26
hostel em Zagreb
Croácia

"The number of hours we have together is actually not so large.
Please linger near the door uncomfortably instead of just leaving.
Please forget your scarf in my life and come back later for it."
For M, Mikko Harvey

Esse trechinho tá na minha cabeça desde que eu descobri ele no Twitter no dia que minha melhor amiga foi embora. Me fez pensar em como eu escolhi aproveitar meu tempo com ela sendo o mais grudenta e insuportavelmente emocional possível, e essa semana tá me fazendo pensar na russa e no porquê de eu ter gostado tanto dos dias que a gente passou juntas.

Ela é um livro aberto. Ela narra quase todo o próprio monólogo intero e bota pra fora quase todo pensamento que vem à mente. Ela faz todas as perguntas que quer e não esconde se gostou da resposta ou não.

Eu amei a maneira que a gente clicou tão rápido e ela não se importou em esconder isso de ninguém. Talvez tivesse sido diferente se não tivesse sido na escola de verão  —  porque a gente sabia que os dias tavam contados e depois não íamos mais nos ver indefinidamente  —  mas eu sinto que ainda poderia ter sido bem similar porque parece ser o jeito dela. A gente conversou sobre isso logo no início, sobre talvez fazer mais esforço pra interagir com mais gente nova ao invés de fechar num grupinho, mas concordamos que também tínhamos acabado de nos conhecer e queríamos aproveitar o pouco tempo juntos.

Eu me pergunto se tô pensando tanto nisso porque é uma coisa mais recente e nova e menos difícil que outras crises antigas que vieram à tona de novo esses dias, depois das minhas viagens. Minha terapeuta tava certa quando disse que seria difícil experienciar em 2 meses a Europa sozinha, com a minha mãe e com a minha melhor amiga em sequência. Talvez a escola de verão tenha vindo no momento certo pra balancear as coisas outra vez, depois que as despedidas me deixaram com vontade de voltar correndo pro Brasil quando acabar o mestrado.

Eu também encontrei uma amiga de Donostia em Saarbrücken e tivemos uma conversa ótima sobre despedidas e reencontros. Eu falei pra ela que ainda tô me acostumando com essa vida, que pra ela deve ser mais normal porque europeus vivem se mudando pra estudar e trabalhar. Falei pra ela também que ver outras amigas em Barcelona, Würzburg e Lausanne foi como se gente tivesse passado só uns dias longe, mesmo que estivéssemos falando de grandes novidades das vidas delas que eu nem sabia. Ela comentou que foi tão natural por causa da familiaridade que a gente já tem, porque mesmo que a gente não se conhecesse há tanto tempo, foi um tempo crítico e são pessoas com quem eu provavelmente sempre vou ter essa intimidade, esse contato fácil, quando a gente se reencontrar, mesmo que não tenhamos contato frequente. Isso me deixou menos preocupada um pouco com esse loop de fazer amigos e me despedir deles por todo lugar que eu passo.

Enfim, seja o que for, hoje eu tô me sentindo um pouquinho de coração partido e precisava produzir algo dramático.

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